Como um executivo reinventou “Chaves” e transformou o seriado em trunfo de audiência nos anos 2000

 


Poucos executivos deixaram uma marca tão profunda na história recente da televisão brasileira quanto Mauro Lissoni, responsável por comandar uma fase que redefiniu o papel de Chaves e Chapolin no SBT durante os anos 2000. Sob sua gestão na programação, as séries mexicanas saíram da condição de simples reprises para se tornarem pilares da estratégia de audiência da emissora, alcançando índices históricos e renovando sua base de fãs.

Lissoni identificou, no início da década, que havia um potencial inexplorado em Chaves. Embora já fosse um produto consolidado na casa, o seriado vivia de exibições irregulares e sofria com a percepção de “conteúdo barato”. A virada ocorreu quando o executivo adotou uma abordagem inédita: tratar Chaves como um produto premium, com curadoria, novidades e experimentação.

O “Clube do Chaves” e a renovação do universo Chespirito

A principal aposta de Lissoni veio à tona em 2001, com o lançamento do Clube do Chaves, projeto que trouxe ao ar episódios inéditos do universo Chespirito, introduziu personagens nunca exibidos no Brasil e ampliou o leque narrativo além da vila do Chaves.

Na época, a edição de 13 de maio de 2001 do O Globo destacou o potencial da iniciativa:

“No ar há 16 anos, ‘Chaves’ é um trunfo do SBT […] A emissora possui 180 episódios inéditos e promete exibi-los a partir de junho, com o título de ‘Clube do Chaves’.”

A aposta buscava não apenas resgatar materiais raros, mas rejuvenecer o público do seriado, que já atravessava gerações. O próprio Lissoni apontou, à época, a estratégia de renovação:

“Chama-se ‘Chespirito’ e tem vários personagens novos. Acredito numa renovação do público.”


A decisão rendeu frutos imediatos. Em junho de 2001, o colunista Daniel Castro, da Folha de S.Paulo, descreveu a performance do seriado como determinante para o crescimento da emissora:

“O velho pastelão mexicano é o principal responsável pelo crescimento de 22% da média de audiência do SBT na faixa das 12h às 18h.”

O fenômeno aconteceu mesmo diante das constantes mudanças de horário, algo incomum para um produto de catálogo. Segundo índices divulgados na época, Chaves frequentemente empatava — ou ultrapassava — a Rede Globo em períodos estratégicos. Em 7 de junho de 2001, por exemplo, o seriado marcou 15 pontos, contra 12 pontos do Jornal Hoje.

A demografia também surpreendia. Uma parcela expressiva do público era formada por crianças e adolescentes. Em reportagem de 2001, o estudante Daniel Resende, de 14 anos, sintetizou o atrativo do programa:

“O Chaves pega o jeito de pensar das crianças e faz piadas com isso. Não há malícia.”

A ousadia do horário nobre

Em 2003, Lissoni tomou uma das decisões mais emblemáticas de sua gestão: colocar Chaves no horário nobre, substituindo o Sabadão, de Gugu Liberato — um dos maiores investimentos da emissora.

A mudança foi encarada, inicialmente, como um risco. E virou um caso de sucesso instantâneo. Em janeiro de 2003, a Folha definiu a estratégia como um “ovo de Colombo”:

“O enlatado mexicano deu 13 pontos de média em seu primeiro mês, superando Gugu — e por um custo infinitamente menor.”

A escolha consolidou o seriado como um dos produtos de maior eficiência da história do SBT, e reforçou a capacidade de Mauro Lissoni de transformar um conteúdo já familiar em um ativo de alto impacto.

A passagem de Mauro Lissoni pelos anos 2000 é lembrada por fãs e profissionais como o período mais importante da presença de Chaves no Brasil. A série, já consolidada culturalmente, encontrou sob sua gestão:

  • tratamento inédito na programação;

  • busca ativa por material raro e episódios inéditos;

  • expansão da oferta de conteúdos do universo Chespirito;

  • audiência renovada;

  • territórios de exibição inéditos, incluindo o horário nobre.

Mais do que um fenômeno televisivo, a era comandada por Lissoni marcou uma geração inteira e redefiniu o modo como os brasileiros assistem — e vivenciam — Chaves.

2024 – O retorno ao horário nobre e a recuperação da fórmula que marcou época

Em 2024, quase vinte anos depois, o SBT ressuscitou — mesmo que involuntariamente — a filosofia de Mauro Lissoni. Sob articulação de Rinaldi Faria, Daniela Abravanel e o Mauro, Chaves e Chapolin retornaram ao horário nobre, rompendo anos de exibições esparsas e descapitalizadas.

O movimento utilizou princípios muito próximos dos implantados por Lissoni:

  • todo o acervo disponível foi colocado em circulação,

  • não houve classificação de episódios como “semelhantes”,

  • episódios raros, perdidos e inéditos voltaram à TV aberta,

  • duas faixas noturnas passaram a exibir Chapolin e Chaves com alto desempenho.

O impacto foi imediato:

  • Chapolin frequentemente alcançou a vice-liderança, vencendo a Record no horário;

  • Chaves registrou médias superiores a 5 pontos quase todos os dias — desempenho raro em plena concorrência com novelas, reality shows e jornalismo.