Passarinhos, o 'Fico' Milionário e a Batalha de Domingo: Os Segredos do 'Viva a Noite' antes de seu Retorno em 2025.


 O SBT viveu ontem um dos capítulos mais significativos de sua história recente. Ao ressuscitar o “Viva a Noite” em um especial exibido na faixa nobre, a emissora não apenas acionou o gatilho da nostalgia nacional, como também provocou uma onda de repercussão que tomou conta das redes sociais e colocou o programa no topo dos assuntos mais comentados do X (antigo Twitter). A atração, agora reformulada, conquistou a vice-liderança em audiência e reacendeu o debate sobre a força dos programas de auditório clássicos — e sobre o lugar que eles ainda ocupam no imaginário popular.

A volta do “Viva a Noite” pode ser compreendida com mais profundidade quando se observa sua trajetória, repleta de turbulências, apostas e momentos decisivos para o SBT. Criado em 1982 a pedido de Silvio Santos, que encomendou à diretora argentina Nelly Raymond um programa destinado às noites de sábado, o “Viva a Noite” nasceu da mistura de referências internacionais: de Saturday Night Fever ao mexicano Sábado Fiebre, passando pelo também latino Hoy Quién Danza es Usted. A estreia ocorreu em 16 de novembro de 1982, em uma terça-feira, na então TVS, e rapidamente o programa se consolidou como parte essencial da identidade da emissora.

O início foi marcado por uma pluralidade de apresentadores — Ademar Dutra, os radialistas Paulo Barboza e Paulo Lopes, o babalorixá Pai Jair de Ogum e, por fim, Augusto Liberato, o Gugu, que viria a se tornar a alma definitiva do formato. A partir de 12 de março de 1983, o programa passou a ocupar o horário dos sábados à noite, onde encontrou sua essência e seu público mais fiel. Sob direção de Homero Salles e Roberto Manzoni, o Magrão, o “Viva a Noite” desenvolveu quadros que entrariam para a história da TV brasileira, como Sonho Maluco, Rambo Brasileiro e Baile dos Passarinhos, o último transformado em fenômeno nacional.

Já no final dos anos 1980, Gugu assumia posição estratégica dentro do SBT, o que ficou ainda mais claro quando, em 1988, assinou um contrato com a Globo para comandar um programa dominical. O episódio gerou repercussão imediata, como relatou Roberto Comodo no Jornal do Brasil em 10 de fevereiro de 1988. De acordo com a reportagem, Gugu havia se comprometido com a Globo e já tinha até pilotos gravados para um programa que antecederia Os Trapalhões. Mas Sílvio Santos, percebendo a queda de audiência de seu próprio programa dominical — que despencara de 27 para 12 pontos no Ibope devido ao seu afastamento médico —, decidiu agir. A proposta para manter Gugu no SBT foi “milionária”, segundo Comodo, e culminou em uma visita pessoal de Silvio a José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, e a Roberto Marinho. O resultado foi categórico: a Globo se recusou a liberá-lo, mas o SBT intensificou esforços para mantê-lo, o que acabou acontecendo. Em meio à disputa, ficava claro que Gugu era visto dentro do SBT como o sucessor natural de Silvio Santos.

Em 1989, o “Viva a Noite” se viu no centro de mais uma tentativa estratégica de Silvio Santos para enfrentar a concorrência. Na edição de 13 de maio daquele ano, a Folha de S.Paulo publicou matéria de Eduardo Duó relatando a decisão do SBT de mover o “Viva a Noite” para as tardes de domingo, entre 15h e 17h, numa tentativa direta de confrontar o Domingão do Faustão, recém-estreado na Globo. Segundo Duó, a mudança não foi planejada: uma greve dos radialistas impossibilitou a gravação de “Cidade X Cidade”, e Silvio decidiu ocupar o espaço com um “Viva a Noite” já gravado. “A experiência deu certo”, afirmou Gugu à época, embora os números mostrassem que Faustão seguia imbatível. Mesmo assim, o SBT insistiu na mudança temporária, apostando no apelo vespertino do formato.

A mesma Folha relataria dias depois, em 27 de maio de 1989, novamente em reportagem de Duó, que a experiência havia durado apenas três semanas. O programa retornava às noites de sábado porque o risco de perder seu público original era grande demais. O diretor Roberto Manzoni negou derrotismo, mas explicou que, para funcionar à tarde, o programa precisaria ser transformado — e isso poderia descaracterizá-lo. O “Viva a Noite”, aos sábados, mantinha média de 20 pontos, equivalente a três milhões de telespectadores apenas na Grande São Paulo, enquanto Faustão chegava fácil aos 45 pontos nos domingos.

O programa atravessou 1989 e 1990 com força e aclamação popular. Em 1990, surgia uma curiosidade hoje quase folclórica: a “dança da galinha azul”. Matéria da Folha de 2 de março daquele ano explica que a música, criada por “Magro”, produtor de Gugu, surgiu para acompanhar uma brincadeira semelhante à “dança do passarinho”, tradicional no programa. O patrocinador, Maggi, usou o hit para reforçar merchandising, com o auditório inteiro cantando “De leste a oeste, de norte a sul…”.

Apesar do sucesso, o programa sairia do ar em 1992. Tentativas de retomá-lo surgiriam, como em 2007, quando Adriane Galisteu assumiria uma releitura da atração, mas acabou trocada pela cantora gilmelandia. Na época, o Estado de S. Paulo relatou, em abril daquele ano, que o novo “Viva a Noite” estreou com apenas 6 pontos, superado pelo Show do Tom (Record) e pelo Miss Brasil (Band). No fim daquele mesmo ano, segundo Daniel Castro na Folha, toda a equipe da atração seria demitida. O formato, no entanto, jamais deixou de ocupar um lugar especial na memória coletiva.



Essa memória foi decisiva para o impacto do especial exibido ontem. Comandado por Luis Ricardo — figura emblemática da história do SBT e que viveu de perto a era Gugu —, o programa resgatou não apenas cenários e quadros, mas sobretudo a atmosfera de festa que definia o “Viva a Noite”. A direção de Jefferson Candido evitou a tentação de modernizar excessivamente o projeto e apostou em uma reconstrução fiel da estética original, o que foi amplamente elogiado pelo público nas redes.

Luis Ricardo conduziu a atração com leveza e carisma, evitando qualquer imitação de Gugu, mas honrando sua memória com autenticidade. Um dos momentos mais comentados da noite foi a participação de João Augusto Liberato, filho de Gugu, que apresentou o quadro “Rambo Brasileiro”. O gesto funcionou como homenagem, continuidade afetiva e símbolo de um legado que se recusa a desaparecer.

O especial reafirmou, em grande estilo, que há algo no “Viva a Noite” que transcende épocas. Não é apenas nostalgia: é a prova de que formatos populares, espontâneos e permeáveis ao improviso continuam exercendo fascínio sobre o público, mesmo em uma era dominada por plataformas digitais.

O SBT testou a força do seu passado — e encontrou nele um futuro possível. A audiência respondeu, as redes vibraram e o clima geral é o de que o programa merece retornar de forma definitiva. O “Viva a Noite”, que já sobreviveu a disputas de bastidores, guerras de audiência, mudanças de grade e transformações do mercado, renasce agora como símbolo de resistência da TV aberta.